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*Em memória de Cláudia Ferreira da
Silva, Mulher Negra, Trabalhadora, morta pela ação da Policia Militar do Rio de
Janeiro
Esta semana eu morri um pouco.A minha sororidade gritou, gemeu, urrou como se estivesse
sendo atingida em seu âmago. A imagem de uma mulher negra sendo arrastada por
uma viatura da PM do Rio de Janeiro acabou com o meu dia, dia este que se
iniciou com a Marcha Unificada das Mulheres-BA, espaço onde pude participar ao
lado de outras companheiras batucando, dizendo aos quatro cantos que não
aceitaremos mais ver as mulheres sendo mortas pelo Machismo.
Primeiro,
que é importante compreendermos, que um dos pontos centrais do Racismo são os
estereótipos de raça, essas construções sociais feitas sem a nossa participação,
sem a nossa opinião, e que determinam se vivemos ou morremos, se somos passíveis
de direitos ou não, inclusive negando a nossa inocência, sem ao menos sermos ouvidos.
Esse
corpo negro, que tem a construção de sua “corporeidade”, a sua significação, vinculada
a um passado escravista, onde sobre o corpo do/a negro/a, repousava todos os
direitos do Senhor de explorá-lo e de dar destino a ele conforme a sua vontade,
fosse para o castigo físico, trabalho braçal, ou para o estupro, chega aos dias
atuais ainda sofrendo a propagação de sua imagem corporal como uma “coisa”,
objeto inanimado, que pode sofrer todas as torturas.
Quem
não se lembra, do recente caso do jovem espancado por torturadores no RJ, que o
amarraram a um poste? O que levou esses jovens a acreditarem que poderiam
proceder da seguinte forma? Ou do caso da mulher negra, trabalhadora doméstica,
que, ao esperar em um ponto de ônibus o retorno para casa, foi agredida
brutalmente por jovens brancos, que posteriormente justificaram o ocorrido com a
afirmação de que a tinham “confundido com uma prostituta”?
A
resposta que explica o porquê destes agressores, e a Policia Militar do Estado
do Rio de Janeiro, acreditarem que estão livres pra agredir dessa forma um
corpo negro é dada por Lima Barreto, na voz de Clara dos Anjos, personagem do
livro homônimo, onde a mesma afirma “Não somos nada nesta vida”. Não somos nada
para os racistas.Nosso corpo negro é o mais barato, o mais exposto, aquele a
quem todos acham que podem ter acesso, a quem todos acham que podem matar.
O
que dizer então do corpo negro e feminino de Cláudia, um corpo queem si
carregava diversas marcas? A marca de uma mulher negra, trabalhadora, chefe de
uma família, que, para além dos 4 filhos, ainda agregava 4 sobrinhos.Uma mulher
que certamente não se enquadrava nos padrões “Globo” de beleza e que, por esse
“não-enquadramento”, transmitia a mensagem de que o mesmo não precisaria de
cuidados.Uma mensagem bem compreendida pela PM do RJ, que, contrariando todos
os protocolos internacionais de socorro, jogou o corpo de Cláudia, atingida por
um tiro, na parte de trás de um camburão, sem o mínimo de delicadeza que o
estado dela pedia.
Casos
como estes são mais recorrentes do que se imagina. O auto de resistência,
instrumento jurídico criado durante a ditadura e que permite que o/a policial
reaja em caso de “resistência”, tem mascarado muitos desses casos e continua
permitindo que haja uma lacuna estatística em muitos casos, já que, além de
tudo, permite que o policial preste assistência médica ao ferido, assistência
essa sobre a qual não se tem o menor controle, e que na verdade pode ser a via
final da pessoa que foi “socorrida” na viatura ou camburão.
Diante
disso está a importância de os movimentos sociais continuarem pautando a
aprovação do PLC 4471/2012, que, além de acabar com o Auto, ainda proíbe que os
policiais prestem socorro à vitima, obrigando-os a garantir a assistência
médica adequada, uma vez que muitos morrem nos trajetos entre o local do
ocorrido e o hospital.
A
luta antirracista no Brasil tem tido, ao longo dos anos,grandes desafios.E um
desses é reafirmar diariamente a nossa humanidade, pisar firme, bater de frente
com os racistas, mesmo quando eles vêm de “revólver engatilhado”. O corpo mais
barato do mercado tem sido o corpo negro, é verdade, mas é a esperança de um
horizonte de igualdade, onde os/as homens/mulheres negros/negras possam viver
plenamente, com o direito de construir uma outra história sobre seu corpo negro,que nos move diariamente.
Luana
Soares é uma militante da luta anti-racista. É alguém que não quer ver outras “Cláudias”,
arrastadas por viaturas da PM. Isso basta.