Vista de cima de Salvador |
Como
todos sabem, as últimas festas populares de Salvador, a saber: Réveillon, Festa
do Bonfim e Festa de Yemanjá, tiveram algo que não é novidade, mas que desta
vez atingiu um nível alarmante, que é a predominância de determinadas
cervejarias. Quem esteve presente nas festas citadas pôde perceber que a grande
maioria dos ambulantes acabou vendendo cervejas das marcas Schin ou Itaipava.
Além de estar vendendo estas marcas, muitos dos ambulantes exibiam isopores
padronizados das marcas supracitadas, com maior predominância da Schin, sendo
que este é o equipamento essencial para o trabalho de qualquer vendedor
ambulante.
Ao
passar pelo Rio Vermelho, no dia 1° de fevereiro, véspera da bela Festa de
Yemanjá, pude perceber a enorme quantidade de isopores laranjas empilhados em
uma das vias do bairro. É nítido que posteriormente muitos daqueles isopores
foram disponibilizados para os vendedores, estes obrigados a vender estas
marcas para que pudessem trabalhar no circuito da Festa, mediante cadastramento
obrigatório, além do recolhimento pela Prefeitura de caixas de cervejas que
pertencessem a outras marcas.
Paralelamente
a isto, manchetes pipocaram na cidade, com a proibição da venda de bebidas
tradicionais, como o Cravinho, sempre vendido no Pelourinho em bares famosos
por oferecer a bebida engarrafada em toneis de madeiras, além da proibição do “Príncipe
Maluco”, que tem a fama de possuir em sua composição a junção de diversas
bebidas, de onde se pode inquirir o porquê do nome. Esta predominância de
determinadas cervejarias e proibição de outras bebidas precisa suscitar debates
para além do direito à escolha, indo para o âmbito do projeto de cidade efetuado
pela gestão de ACM Neto.
Bloco da Camisinha-Circuito Campo Grande Fonte: Wikipédia |
Sempre
foi objetivo das elites, a invisibilização das raízes negras e populares nas
formas encontradas pelo proletariado para confraternizar. Ao buscar a história das
festas em Salvador, podemos perceber como diversos elementos vêm sendo retirados
de sua execução, a exemplo da proibição das Baianas de lavarem o interior da Igreja
do Bonfim, a retirada dos jegues da festa e a proibição de mini-trios na Festa
de Yemanjá. Agora, a Gestão Neto vem
aprimorando essas ações, com o cartel das cervejarias, além da probabilidade
apontada pela Prefeitura, do Carnaval possuir corredores de entrada para a festa,
para que os foliões e foliãs sejam revistados antes da entrada.
Diante
dos últimos ocorridos na cidade de Salvador, é preciso atentarmos para os
elementos de uma gestão voltada a negação de nossa identidade popular, que ou
age pela cooptação, ou age pelo enquadramento. Existe uma tentativa constante
da elite de varrer para debaixo do tapete as mazelas sociais de nossa cidade,
embranquecendo-a como a “Terra da alegria”, da “Maior festa do mundo”, ou como
bem colocou a Secretária Municipal da Ordem Pública, Rosema Burlacchini Maluf,
uma “maquiagem para receber visitantes”. É importante a constante denúncia e
enfrentamento desse higienismo social, que vem sendo proposto pela atual gestão
da prefeitura. ACM Neto, que vem querendo se colocar como o “novo”, mas na
verdade vem cercado de ações bem conhecidas, precisa ter o seu projeto de
cidade desmascarado e combatido.
O
higienismo dos espaços públicos é a ponta de lança da negação do direito a
cidade às classes trabalhadoras, e esta “negação” pode ser identificada em
diversas outras ações. Revitalizar prioritariamente a Orla da Barra é
extremamente simbólico, pois quem mora em Salvador sabe como os moradores desta
região reclamam da grande circulação dos trabalhadores pretos naquele espaço.
Reclamações que perpassam pela quantidade de ambulantes, pelo barulho causado
pelos trios, pelos carros e afins. É como se estes quisessem ver expulsos dali
todos aquele transeuntes que mostram que a cidade é negra, é feminina, é jovem,
é trabalhadora informal, criando uma bolha da elite soteropolitana.
Os
bairros componentes da Orla, foram reduzidos à imagem da orla da Barra, sendo
que os bairros localizados mais para o subúrbio, mas que também compõem a Orla,
simplesmente foram esquecidos nesse processo de “revitalização”, já que a
prefeitura disponibilizou apenas 3 milhões para a Ribeira, enquanto para a
Barra foram cerca de 50 milhões.
A
retirada das 16 linhas de ônibus da cidade também ilustra isso. Em sua maioria,
as linhas pertenciam aos bairros suburbanos, que faziam uma ligação direta com
estas praias. A extinção destas linhas dificulta a chegada dos moradores dos
bairros periféricos à orla da Barra, moradores/as que em sua maioria são negros/as,
e que ora vão aquele espaço pelo lazer, ora para trabalhar.
A
perseguição impetrada pelo famoso “RAPA” aos ambulantes localizados em espaços
como a passarela do Iguatemi e o entorno da Praça da Piedade, bem como a
“limpeza étnica” já denunciada pelas Associações de Moradores de Rua nos
espaços do centro da cidade, em especial a Praça da Piedade, também gritam na
atual gestão. Ali, historicamente, estiveram diversas famílias, e hoje ao
passar pela praça, é a ausência destas famílias e a presença ostensiva de
viaturas. Para onde essas famílias são levadas? Qual o tipo de assistência dada
a elas?
Para
além disso, quem não lembra da perseguição de ACM Neto aos bares populares do
Pelourinho, entre eles o Bar Sankofa, espaço que para além de ser um local de
entretenimento, também é um espaço de resistência negra, frequentado por
muitos/as militantes do Movimento Negro Baiano? E o Bar do Nego Fuá, onde o
samba “come no centro”, adentrando a noite soteropolitana com muita cerveja e
“suingueira”, e que teve o seu som apreendido? E agora, os bares da famosa
“Favelinha” localizada na Magalhães Neto, bares derrubados sem o menor diálogo
com a população, trazendo prejuízos para famílias inteiras que sobrevivem do
comércio naquele local.
É
importante que estejamos de olhos bem abertos à atual conjuntura de faxina
étnica e cultural promovida pela Prefeitura, e construamos debates que
proponham um outro modelo de cidade, que dialogue com a vida real do povo preto
soteropolitano e que dê direitos a todos e todas usufruírem da cidade do São
Salvador.
Luana Soares é integrante da CONEN-Coordenação Nacional de Entidades Negras, Executiva Estadual da JPT e Executiva Municipal do PT-SSA.
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